Goo Goo Dolls é atração do Best of Blues and Rock: 'Amo o fato de que as pessoas ainda querem nos ver'

InterviewJune 4, 2023g1

Ao g1, cantor fala de show em SP, explica problemas de saúde e comemora sobriedade: 'Tive medo de não ser bom o suficiente se não bebesse'. Série 'Quando eu hitei' tem artistas que sumiram.

Por Braulio Lorentz, g1

Mesmo 25 anos após ser lançada, "Iris" ainda borra a maquiagem de convidadas em casamentos. Ainda é trilha sonora de lojas em shoppings. Ainda embala a corrida de muita gente no Uber. A música sobre um cara disposto a trocar qualquer privilégio apenas para tocar a pele de sua amada ajudou o Goo Goo Dolls a vender mais de 15 milhões de álbuns.

"Ela tem uma mensagem muito simples e acho que todo mundo sente isso dentro de si em algum momento da vida. É algo com que todo mundo pode se identificar", explica John Rzeznik, vocalista da banda americana, ao g1.

Na série "Quando eu hitei", artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”. Leia mais textos da série e veja vídeos ao final desta reportagem.

No Brasil, para muita gente eles são "a banda de Iris". "Não é só no Brasil...", interrompe o cantor, sorrindo. A banda americana começou punk nos anos 80, mas se encontrou no pós-grunge romântico a partir da segunda metade dos anos 90. "Iris" não foi o único sucesso: "Name", de 1995, e "Slide", de 1998, entraram no top 10 americano.

Nada que se compare a "Iris". "Sem essa música, talvez poderia ter voltado a estudar, sei lá. Sempre fomos bons em aproveitar a menor oportunidade que nos era dada, celebrar cada conquista por menor que ela fosse. A gente corria atrás da menor chance que tinha para fazer sucesso e aprendia com cada erro, mas continuava indo, indo e indo. É o que temos feito por um longo tempo."

A música foi criada especialmente para o filme "Cidade dos Anjos", sobre um casal formado por um anjo (Nicolas Cage) e uma médica (Meg Ryan). "Asas do Desejo", primeira versão em alemão, havia sido dirigida e roteirizada por Win Wenders.

"Eu estava morando em um hotel em Los Angeles na época e meu empresário me ligou e disse: 'Ei, você quer ir ver este filme? O supervisor da trilha quer que você escreva uma música para ele'. E eu pensei 'OK, claro'. Então, eu fui lá e vi. Eu achei o filme ok", recorda. Como U2, Peter Gabriel e Alanis Morissette estavam confirmados na trilha sonora, Rzeznik já estava meio que convencido antes mesmo de ver o trecho para o qual deveria compor.

"Ele me mostrou a cena em particular que ele queria que eu escrevesse. O que eu diria se eu fosse esse cara e quisesse estar com essa pessoa de qualquer jeito. Uau, esse cara está disposto a desistir da imortalidade por ela, sabe? Deixar de ser imortal apenas para ficar com essa pessoa. Ter que experimentar todas as coisas que doem em ser humano. Eu achei que isso intenso, porque todos queremos encontrar esse amor perfeito."

"Iris" vai estar no show que a banda fará no festival Best of Blues and Rock, em São Paulo (leia informações no fim do texto). "Ganhamos a vida na estrada, porque não dá mais dinheiro vender discos", explica ele. "Eu amo o fato de que as pessoas ainda querem nos ver e que nossa música ainda seja relevante."

"Não somos, obviamente, a maior banda do mundo, mas isso não impede de querer ser a melhor. Ou a melhor que podemos ser, sabe? E essa é uma pergunta que nos fazemos quando nos reunimos. Como podemos melhorar nisso? Como podemos trazer algo novo para as pessoas?"

O discurso é motivacional e parece sincero, mas quase 40 anos de carreira trouxe também trouxe arrependimentos, certo? "Eu tenho tantos... sinto que vivi apenas tropeçando dia a após dia, esperando sair distraído para a rua e ser atropelado por um caminhão de lixo."

"Acho que meu maior arrependimento é que eu não fui tão decisivo e corajoso como deveria ter sido em certos momentos. Eu não me posicionei em situações que pareciam instáveis, só para me dar bem. E agora eu estou numa fase mais "foda-se", sabe?", define-se, rindo.

"Agora eu sou do tipo 'Não, isso é meu. Isso é nosso. Não me importo com o que você pensa'. Mas, por um longo tempo no início da nossa carreira, duvidei de mim mesmo um pouco demais. Deveria ter tido um pouco mais de fé em mim mesmo e nas duas pessoas que estiveram em minha vida durante boa parte desse tempo. Gostaria de ter tido um pouco mais de fé neles."

Embora desconverse sobre quem são essas pessoas, o Goo Goo Dolls já teve os bateristas George Tutuska e Mike Malinin em sua formação.

Hoje, o Goo Goo Dolls é uma dupla: o baixista Robby Takac fundou a banda com Rzeznik em 1986. “Ainda somos grandes amigos”, resume. “Entendemos qual é nosso papel e o que fazemos, e juntos há algo entre nós, sabe, se ele ou eu formos por caminhos separados, acho que não funcionaria.”

"Estava no estúdio outro dia e havia outra banda, uma banda muito famosa gravando no estúdio do lado, e eu estava trabalhando lá perto. E esses caras estavam discutindo, estavam prestes a se matar”, descreve o vocalista, rindo. “Eu liguei para ele e disse: ‘Cara, eu sei que você e eu temos nossas desavenças e nem sempre concordamos, mas não importa o que você pense, nós não somos tão ferrados quanto esses caras aqui."

Em uma dessas idas aos estúdios, em março do ano passado, Rzeznik teve dois problemas de saúde quase ao mesmo tempo. Ele rompeu os ligamentos do cotovelo, então teve que ficar sem tocar guitarra. Decidiu agendar uma sessão apenas para gravar vocais, mas rolou outro momento “assustador”: sofreu um grave ferimento nas cordas vocais.

“Machuquei minha corda vocal e pensei na hora ‘Meu Deus! O que vou fazer agora?’ Minha filha ficou muito assustada, porque eu não conseguia falar com ela por duas semanas.”

Depois de tomar "um monte de anti-inflamatórios", o jeito foi ficar calado. "Quase fiquei maluco por não conseguir falar. Ficava pensando ‘Vou quebrar tudo ao meu redor’. Foi frustrante, mas o que me curou mesmo foi voltar para meu professor de canto, me aprofundar nos exercícios. Eu trabalhei, trabalhei e trabalhei para me recuperar. Tive ansiedade por saber que este é o único emprego que eu já tive. É assustador pensar: e se eu não puder mais fazer isso? Não sou qualificado para fazer mais nada."

'Chocado' com Rock in Rio

A banda nunca parou de fazer shows, mas demorou a estrear no Brasil: em 2019, tocaram no Rock in Rio e abriram shows do Bon Jovi pelo país. John diz ter ficado “chocado” com o tamanho da estrutura do festival carioca.

"A gente tinha algumas informações sobre onde nossa banda era popular, onde as pessoas nos conheciam. Os Estados Unidos eram o país mais popular, depois era o Brasil e as Filipinas. Eu fiquei pensando ‘Filipinas? Ok, isso é um pouco estranho, mas ok, vou aceitar.’ No Rock in Rio, fiquei surpreso com o quão enorme era aquele palco."

“Foi divertido demais, estava tão longe de casa e podia colocar o microfone virado para o público e ver todo mundo cantar uma das minhas músicas. Isso é incrível.”

Nos últimos anos, a banda tem se dedicado a compor músicas para tentar entender “o mundo caótico em que vivemos”. Os álbuns “Miracle Pill” (2019) e “Chaos in Bloom” (2022) têm essa pegada. "Somos muito sortudos de poder viver de música até hoje, de ganhar a vida saindo em turnês. Quando você está escrevendo, quer compor a melhor música que pode e ela tem que ressoar dentro de você mesmo, antes de ressoar nos outros."

“Yeah, like you”, umas das novidades no repertório, tem a ver com essa ideia de não ficar toda hora com o celular na mão. “É como se eu estivesse satirizando o atual conceito de celebridade, sabe?”, explica. Para ele, novos artistas viraram reféns do aparelho. O cantor não expõe muito da vida pessoal nas redes sociais. No Instagram, são raras as fotos da esposa Melina e da filha Liliana, por exemplo.

“É uma geração que foi criada assistindo ‘American Idol’ e esses programas de calouros. É uma mentalidade diferente”, conclui, resignado (mas nem tanto). “Quando você vai ver esses caras do departamento artístico de uma gravadora, a primeira pergunta é: ‘E aí, quais são os números do TikTok desse artista?’ Sem isso, não conseguem um contrato. É absurdo."

"Quando falo com artistas mais jovens, com uns 20 anos, eles falam sobre criar uma ‘marca’. E eu fico pensando: ‘Por que você não só escreve boas músicas e toca em qualquer lugar que alguém queira ouvir e eventualmente você vai se destacar se for bom?’ Mas o mundo é muito mais complexo do que isso.”

Desde 2016, ele tem uma parceirinha para tentar entender esse mundo "complexo". Liliana mudou a vida do cantor de várias formas. "Quando a Lili nasceu, eles a entregaram para mim e eu olhei para ela e disse: 'Deus, por favor, não me deixe ferrar a vida dessa pessoa'. Acho que muitos pais pensam isso. Ter ela na minha vida testa minha paciência. Ela é uma explosão psicodélica insanamente humana e sem filtro. É incrível."

"Ela é criativa. Ela é inteligente. Ela é engraçada. E eu, é claro, acho todas essas coisas porque ela é minha filha", ele emenda, rindo. "Foi uma grande mudança na minha cabeça porque força você a se tornar uma versão melhor."

A filha e a esposa, segundo ele, foram importantes para que permanecesse sóbrio. Ele está prestes a completar 10 anos longe das bebidas, após ter problemas com álcool. "Era assustador. Eu tive que me afastar de tudo por alguns meses para colocar minha cabeça e meu corpo no lugar."

    "Existe essa metodologia de usar o álcool ou as drogas para estimular a criatividade... e por um tempo, é verdade. Mas daí vira tipo de câncer crescendo dentro de você. Tudo isso é baseado no medo. Tive esse medo de não ser bom o suficiente se não bebesse, o medo de descobrirem que você é um impostor. 'Por que todas essas coisas boas estão acontecendo comigo?' Isso realmente enlouqueceu minha cabeça."

Depois de três meses sem beber "para ter uma mente sã e um corpo saudável", ele voltou aos poucos a se reencontrar com as pessoas. "Eu estava me sentindo ótimo. Cheguei em casa e de repente percebi que... sabe quando você está sentado e divaga? Eu percebi que tenho medo de tudo. Eu pensei: 'Caramba... qual é o meu problema? Eu tenho medo de tudo!' Foi um desafio, mas isso me obrigou a melhorar o meu trabalho, melhorar minha vida em casa e meu relacionamento com as outras pessoas."

"A criatividade ou qualquer dom que você tenha recebido sempre vão estar lá. Essa estimulação e ficar viajando que as drogas te fazem ser mais criativo... para mim, isso acabou, cara. Eu aprendi a viver sem isso."

Best of Blues and Rock

    Quando: 4 de junho de 2023
    Onde: Plateia externa do Auditório Ibirapuera: Av. Pedro Álvares Cabral - Ibirapuera - São Paulo
    Ingressos: a partir de R$ 450 pelo site Eventim

4 de junho (domingo)

    Tom Morello
    Buddy Guy
    Goo Goo Dolls
    Ira!
    Day Limns